Thursday, March 25, 2010

FAZER JUSTIÇA

Em uma sociedade onde os valores se confundem e os abusos são cada vez mais comuns, a busca da punição de pessoas que cometem crimes torna-se mais complicada.

A justiça é um mecanismo, não é a essência humana. Representa uma necessidade do elemento humano. Quer dizer, necessitamos desse mecanismo para equilibrar o meio e permitir a sobrevivência. O senso de ética e respeito, de direitos e deveres pode ser inerente ao ser humano, mas a sua interpretacão e seu peso e medida vão depender das circunstâncias de sobrevivência.





Se para sobreviver é preciso ordem e limites que determinem o espaco individual de cada ser no meio coletivo, não bastam as regras. Dependemos do peso da punicão para garantir que o indivíduo supere seus impulsos de sobrevivência ou dê vazão a instintos primários, sem considerar o meio. Ou seja, o controle das acões será regido pelas leis da coletividade apenas no caso do indivíduo sentir a sua coesão e a eficiência de sua acão como se fosse imponderável.

O conceito pode ser adequado, mas a prática...Como todo mecanismo humano, há falhas, as vezes leves, as vezes tão grosseiras que tornam o resultado oposto ao próprio ideal de Justiça. Não basta existir a legislacão. A maior falha está na aplicação da lei, porque para isso dependemos do elemento humano.


Em "A República", Platão descreve o ideal de uma sociedade harmônica, pacífica e fraterna, que impede o caos social. Os dirigentes locais são racionais, o egoísmo não existe e as paixões ficam sob controle.Interesses pessoais não estão acima dos interesses coletivos.





Século IV A.C! Platão, discípulo fiel de Sócrates, sabia que a interpretação da sociedade perfeitamente organizada e com um sistema de justiça operante e funcional dependia do aprimoramento do caráter humano. Portanto, era utópico!

Sócrates sabia que o maior entrave para o equilibrio social estava no próprio homem que buscava a sobrevivência pisoteando os próprios recursos que iriam garanti-la. O poder que permitia defesa de agressores também criava vulnerabilidade no meio. A única maneira de conseguir respeito ao semelhante e ao espaco coletivo equilibrado sem o uso das regras e da punicão a quem as violasse seria o aperfeicoamento do caráter humano. O fim da ignorância, a celebracão da sabedoria!...O que pelo andor da escola de filosofia da época, extremamente temida pelos centros de poder, seria realmente uma utopia...

A situacão permanece, camuflada por novos conceitos. A mesma sociedade que cria os mecanismos de Justica para se proteger, alimenta os desajustes criados pelos mecanismos de poder, nos lobbies junto ao congresso, que influenciam a protecão de grupos em detrimento do conjunto social, entre os próprios políticos e entre parte das pessoas que atuam diretamente em setores essenciais.



O resultado é a sensacão de impotência popular. Lado a lado ao conceito vulgar de que é preciso "levar vantagem em tudo" encontramos a realidade de acões que contrariam os princípios de equilibrio social, neutralizando os esforcos para combater a violência e a corrupcão.

Uma sociedade sem egoísmo e igualitária é utópica. No entanto mecanismos que determinem limites para uma convivência pacífica podem ser realidade.







Por toda a história da humanidade, "quebrou-se o galho" com o exercício da justiça e o aprimoramento do Direito em nada mudou o problema essencial.

A lei nem sempre é justa. Um exemplo? O sujeito que rouba um pão porque está com fome - e portanto estaria exercendo o seu instinto primário de sobrevivência- é submetido à pena da lei da mesma maneira que o malandro que rouba um objeto supérfluo.

Há atenuantes e agravantes que pesam na pena de um crime. Mas nesse caso o mecanismo da Justiça deveria funcionar como um relógio, no compasso dos acontecimentos. Como isso não acontece, aqueles que roubaram o pão e outros que cometeram um estelionato ou outras modalidade de roubo(e no nosso sistema atual mesmo quem comete crimes muito mais graves) ficam detidos em uma mesma cela, a espera do julgamento, que poderá levar muito tempo.

Outro exemplo de falha? O próprio princípio do Direito, que diz que ninguém é culpado até prova contrária e portanto não pode dispensar um defensor. Os juristas dizem que qualquer crítica a respeito é devaneio do leigo, pois o direito não poderia ser exercido de outra forma.

No entanto, do ponto de vista de quem sofre a criminalidade ou atos violentos, para que esse aspecto fosse entendido e digerido, haveria necessidade de absoluta funcionalidade. E de que maneira isso seria funcional: que com os direitos preservados de acusação e defesa, Justiça fosse realmente feita.

Mas o mesmo sistema que precisa garantir direito de defesa, não pode garantir um resultado justo! Um assassino que pague um jurista competente pode conseguir liberdade, enquanto que um inocente que não tem recursos financeiros para defesa pode ser condenado por um defensor público menos interessado!

Estamos fadados a manter um sistema judiciário que não funciona direito? Os argumentos que tentam justificar as falhas parecem insuperáveis!

O resultado de um julgamento como o ocorrido com o caso Nardoni alivia a pressão e o medo do cidadão comum que tem consciência da fragilidade da nossa Justica. O fato de políticos corruptos denunciados serem alvo da Justica também alivia a impressão de uma sociedade onde a mentalidade do "vale tudo" deturpou valores e desencadeou uma espécie de caos ético.

No julgamento dos acusados de assassinar a menina Isabella Nardoni, pessoas que se reuniram na frente do Fórum ou acompanhavam os relatos através da imprensa surpreenderam-se com o advogado de defesa do casal, que utilizava argumentos como o de que "não havia provas"! E no entanto esse assassinato reuniu um dos trabalhos mais minuciosos de coleta de provas. Algo ainda inédito no Brasil, com novos recursos que permitiram recriar os acontecimentos.

Um trabalho com coleta de provas submetidas a comprovacão científica de detalhes que forneceram um histórico com mínima margem de erro do que havia ocorrido desde que a família havia estacionado na garagem do prédio, até o momento em que a policia foi chamada, após a menina ser atirada pela janela.

É ético o fato de juristas utilizarem argumentos a respeito dos quais não tem comprovacão a não ser a versão de defesa do cliente, que podem ser falsos ou pouco nobres? Ou seja, defesa e acusacão estariam acima de qualquer conceito ético ou moral? No entanto, se não houver um defensor, o julgamento de uma criminoso não pode acontecer!

Essa é uma pergunta desprezada pelo fato de que seria pueril e utópico, assim como a "República" de Platão. Além disso se não houver um defensor, o julgamento de uma criminoso não pode acontecer!

No entanto sem ética e moral não pode haver justica ou qualquer mecanismo judiciário funcional!

Caso os Nardoni tivessem admitido o crime e demonstrado arrependimento suficiente para convencer o júri, provavelmente seriam condenados com uma sentenca mais leve. Isso aplacaria o desespero popular diante de um crime que representa o medo da sociedade diante de uma violência que se instala dentro da própria familia, último reduto de convivência pacífica e auto-protecão?

A resposta a isso não é tão importante como a urgência de delimitar o que, afinal, é certo e torna a vida mais digna e os demônios sob controle. A única maneira de reduzir essa confusão ética e moral na sociedade é manter uma crescente rigidez em relacão à punicão de quem comete crimes, sejam eles na esfera criminalista, seja na civil.

Não é possivel organizar a sociedade e considerar o sistema judiciário ativo e competente com casos isolados de punicão de assassinos ou a tolerância a "casos menores", como processos por crimes de colarinho branco ou de irresponsabilidade civil. (Mirna Monteiro)

Thursday, March 11, 2010

COTIDIANO

Círculo medicamentoso
A cena se passa em um consultório médico:
- Doutor, não sei o que acontecendo comigo, ando muito esquisito. Imagine que quando vejo pessoas sofrendo ou cenas dos ataques israelenses na Palestina, ou mesmo criancas da Biafra...eu choro!
-Hum...vou receitar um antidepressivo...
-Mas este? Eu tenho problemas de gastrite!
- Sem problemas, vou receitar este aqui também.
- Mas doutor,esse ai ataca meu fígado, que está meio cirrótico...
- Ah, não tem problema, vou acrescentar mais este remedinho aqui...
- Mas...não sei não, é que já tomei esse duas vezes e ele me dá insônia!
- Isso não é problema! O senhor vai tomar duas horas antes de deitar também este outro medicamento aqui! Vai dormir como um anjo..
- Eu tenho de acordar cedo, pegar trânsito pesado e...
-Ah, fique tranquilo, logo que acordar o senhor toma esse aqui...calma que tenho amostra grátis, é uma cortesia!
- Será? Sabe  o que é, já tomei duas vezes e esse tipo de medicacão dispara a minha pressão arterial, me dá uma paura, parece que vou ter um treco!
- Bom, para garantir, vamos fazer outra receitinha para este aqui, que vai ajudar se der enjôo também.
- Mas eu li  na internet que esse aqui deixa a pessoa agitada agitado e...
- Acalme-se, por favor. Ainda não terminei. Esse aqui e mais este aqui, vai ficar tranquilo, tudo azul e lindo!.
- Nossa, mas este aqui não é aquele que todo mundo fala que dá depressão?
- Sim, mas vou lhe receitar um antidepressivo.
-...outro?
- Ah, já lhe receitei o antidepressivo...Hum... certo!  Vamos apenas aumentar a dose...

Sunday, March 07, 2010

Que dia da mulher!





Não gosto muito de comemorar o "Dia Internacional da Mulher". Soa meio estranho, como um tiro que sai pela culatra: pretende-se dimensionar a gratidão social pela acão feminina, e no entanto isso é absolutamente impossível, pois a mulher não é uma simples coadjuvante na sociedade humana.

Reforça a mentalidade geral que cria dificuldades para equilibrar a sociedade. Talvez um pouco tendencioso? Ou discriminatório? Seria exagero dizer deletério?




Ela, a mulher, não é complemento, é um ser inteiro, "é" a civilizacão humana, assim como o homem. Seria esquisito, pelo mesmo motivo, o "Dia do Homem". A não ser que isso tivesse o mesmo objetivo de outras tantas datas que visam sacudir o consumo. Humanos são os animais racionais e exagerados do planeta e a natureza criou as devidas diferenças, que são físicas. O homem inventou a discriminação pelo poder de maneira abusiva e absolutamente oportunista, porque já que a mulher paria, ele caçava.

Há quem justifique a deferência por causa do histórico de discriminacão feminina. "Pobre mulher, sempre achatada pela prepotência masculina"...Essa mania de querer simplificar situacões complexas da nossa civilizacão acaba nisso mesmo, em um dia por ano.

Ah, dirão outros, a comemoração se justifica pela sua origem, que data de 1857, em 8 de marco, quando em uma greve operárias têxteis de uma fábrica de New York acabaram fechadas dentro do local de trabalho que foi incendiado. Cerca de 130 mulheres morreram. Em 1910, durante uma conferência internacional de mulheres realizada na Dinamarca, foi decidido comemorar o 8 de Março como "Dia Internacional da Mulher".

Durante décadas não se falou muito no assunto, até que a partir dos anos 80 o mundo lembrou de comemorar a data e a prática foi crescendo.

Quer dizer, uma data que pode ser um bom motivo para lembrar o quanto a situacão da mulher mudou quase nada desde do final do século IXX. Acha que mudou muito?

Não, não mudou muito. A mulher do século XXI é a do século IXX.






O que mudou? A mulher é hoje poderosa na economia mundial e assume cargos políticos...mas nunca antes foi tão sufocada, sofrendo abusos diversos e estourando as estatísticas de maus tratos e assassinatos!

As mulheres são maioria nas universidades e ocupam cargos em todos os setores produtivos...É, é verdade sim, mas ela continua sofrendo a mesma discriminação salarial das americanas que morreram carbonizadas na greve de 1857.

Estamos no terceiro milênio e mulher ganha menos que o homem pela mesma funcão...

Há paises que ainda mutilam o orgão sexual das meninas, para que no futuro o corpo não funcione para o prazer. E em outros lugares, como a China e a Índia, recém-nascidos do sexo feminino são assassinados pela própria família por uma questão de dote. É que mulher dá prejuizo...

Esse negócio de um dia de comemoracão, como se de fato houvesse conscientizacão das tragédias da humanidade, poderia talvez surtir efeito se ficassem definidas as distorcões geradas no meio, de maneira a evitar que permanecessem gravitando em torno da mulher.

Mas, infelizmente, somos uma civilização que tenta desvendar o universo e está prestes a descobrir a origem da vida na Terra, enquanto mantém em seu quintal sociedades absolutamente atrasadas.

A mulher não conquistou seu espaço. Cada mulher que nasce tem pela frente o desafio do esforço contínuo para sobreviver, ser respeitada e construir a sociedade. Talvez ela conte com novas circunstâncias, em um mundo onde cada vez mais a verdade vem à tona por força da comunicação. Mas essas mesmas circunstâncias acabam distorcendo sua imagem e impondo outros rótulos.

Tudo se tornou tão confuso que tem mulher que critica mulher que escolhe ser mãe e esposa ao invés de uma executiva cheia de sucesso e cirrose.






Mulher é pressionada de todos os lados, quando come e quando não come, quando trabalha a sociedade ou quando trabalha o próprio ego. Não há alternativa!

Encurtando a história, a verdade é que a mulher, o homem, a criança e a natureza são a mesma coisa. Não há como separar, por maior que seja a necessidade política de segregação para exercício do poder. O que se quer é o equilibrio que nunca existiu!

No final das contas, tudo bem...que mal há em um dia de comemoração? Desde que não seja paternalista ou extremista ou consumista, ou puxa-saco, enfim, um dia de festa para compensar o ano de alheamento e omissão, ou para aliviar a consciência da negligência com a vida.

Mas as conquistas que deveríamos comemorar, ah, essas ainda não aconteceram! (Mirna Monteiro)