Tuesday, March 03, 2009

As amazonas

Mulheres guerreiras, dispostas a defender espaços e idéias, não são novidade. Há relatos antiguíssimos que falam sobre o assunto. Mas em geral essas mulheres são colocadas como "dissidentes sociais", que preferiram o isolamento, agrupando-se para evitar qualquer predação.

Bom, é possível entender. Se até bem pouco tempo atrás, no início do século XX, mulher não tinha direito de votar, nem de opinar na política do país (nem de sua cidade ou, via de regra, de seu núcleo familiar) é possível entender sim!
O problema é que os registros dessa "dissidência" não são exatamente imparciais...


Vênus de Willendorf

Nos antigos cultos acreditava-se que a origem era a mulher. Não havia deuses masculinos, mas a "deusa-mãe": a divindade era representada pela mulher. Mesmo nas histórias de nossos indígenas encontramos um a versão dos Uaupés sobre o antigo poder das mulheres, a sua derrubada e a ascenção dos homens, que teria acontecido pela intervenção do "Filho do Sol", o mítico Iuruparí. E foi um golpe baixo: Iurupari aproveitou-se de uma mulher que havia parado para urinar, jogou-a sobre uma pedra e violou-a, roubando seus objetos sagrados.

Quem primeiro narrou o mito das Amazonas foi Heródoto de Halicarnasso, no séc. V a.C. na obra História. Segundo a mitologia grega, as Amazonas eram filhas do deus Ares (deus da guerra, filho de Zeus) e da ninfa Harmonia (ligada ao culto dos deuses de Samotrácia).



E eram fortes e implacáveis segundo a mitologia. Talvez estivessem apenas defendendo o seu espaço, mas sabe como é, as sociedades primitivas eram bem cruéis com a mulher. Mesmo na época dos grandes pensadores, a mulher não tinha permissão para filosofar. Mesmo assim, tivemos, desde sempre, grandes filósofas.

A inteligência e o pensamento eram representados pela deusa Minerva (versão latina da deusa Atena) só que ela não nasce do corpo de sua mãe, mas da cabeça de seu pai, Zeus. Ou seja, era negado que uma mulher pudesse ser inteligente sem que houvesse permissão divina de uma figura preponderante masculina!

Tudo bem! Vai assim que as mulheres que não se enquadravam nos modelos criados pela sociedade sempre foram consideradas abusivas e combatidas. Como exemplo podemos citar
o confronto do oitavo dos "Doze Trabalhos de Hércules".

O desafio era o seguinte: depois do herói lutar contra monstros imbatíveis e aterrorizantes, ele recebeu a ordem de arrebatar o cinto da rainha das amazonas, Hipólita.

Hércules deve ter estranhado. Mas viu que a arrancar um cinto de Hipólita poderia ser mais difícil do que cortar as cabeças da Hidra de Lerna.

No final das contas, Hipólita apaixonou-se pelo herói. Por amor, ofereceu o cinto sem luta, mas a ciumenta mulher de Zeus, Hera (que odiava Hércules)disfarçou-se de amazona e provocou a confusão entre as hostes.
Hércules acabou por sacrificar, sem querer, Hipólita. Quer dizer, sem querer...querendo!
Pobre Hipólita!



Mas as histórias das amazonas são em geral coroadas de sucesso. Outra rainha das Amazonas, Talestris, teria vencido o rei persa, Ciro o Grande. Vitórias em tantos casos que as amazonas eram temidas pelos mais fortes!


Em todas as épocas, as amazonas impressionaram o mundo. Cristóvão Colombo, no regresso da primeira viagem ao Novo Mundo, por volta de 1490, ao descer em uma das ilhas das Caraíbas, levou o maior susto. Sofreu uma recepção francamente hostil de uma tribo guerreira composta exclusivamente por mulheres!

Foi um assombro! Mulheres européias, nessa época, mal tinham permissão para respirar, metidas em espartilhos e toneladas de saias! Luís de Santangel, homem da corte dos Reis Católicos (Fernando e Isabel), relatou o ocorrido nestes termos: "a primeira ilha que se encontra, para quem vai de Espanha rumo às Índias e onde não há nenhum homem. Estas mulheres não se ocupam de qualquer actividade feminina, só executam exercícios com o arco e flechas fabricados com canas e cobrem-se de lâminas de cobre que possuem em abundância"...

Pois é, foi assim que Cristóvão Colombo e os seus homens foram os responsáveis pela passagem do mito das amazonas da Grécia para o Novo Mundo. Na selva, sem cavlagar, mas absolutamente livres. De qualquer forma, mulheres guerreiras!



Segundo o folclorista Walcyr Monteiro, o navegante espanhol Francisco de Orellana e seus tripulantes, em 1541, ao chegarem ao Mar Dulce, atual rio Amazonas, teriam sido atacados por uma tribo de mulheres descritas pelo Frei Gaspar de Carvajal como muito altas e de peles muito claras, com cabelos compridos, trançados e enrolados no alto da cabeça. E mais: guerreando completamente nuas, portando apenas seus arcos e flexas.
Pelos relatos, aquela foi uma batalha e tanto, na foz do rio Nhamundá (atual limite entre o Pará e o Amazonas).Os espanhóis foram vencidos e tiveram que fugir, mas conseguiram capturar um índio que contou sobre a tribo de mulheres.

Em 1639 temos o relato de Acuñha, que fala de mulheres que viviam sem o socorro dos homens em terras brasileiras. Aliás, os homens seriam recebidos com arcos na mão, mas se fossem reconhecidos como confiáveis eram convidados a dividir a rede. As crianças nascidas desses encontros seriam criadas pelas mães quando meninas. Os filhos machos seriam entregues ao pai no ano seguinte. O que demonstra que havia uma continuidade na relação, de qualquer maneira!



Já no século XX, em 1953 o etnólogo Theodor Koch-Grümberg publicou um trabalho sobre "Mitos e Lendas dos Indios Taulipáng e Arekuná" e deu de cara com a história das mulheres guerreiras. Ele afirmou que elas seriam mulheres sem homens que em tempos passados eram gente...mas agora estavam transformadas em Mauari, ou demônios das montanhas!
Disse ele que havia cerca de setenta tribos semelhantes na região; que elas viviam sem a presença de homens e que dominavam as tribos vizinhas.

Mulheres endemoniadas, nos primórdios da civilização, na doce mitologia grega ou nos relatos de terras desconhecidas ou da Amazônia impenetrável! Ou simplesmente mulheres que buscavam a sobrevivência em tempos difíceis. A lenda das amazonas ainda continua com as páginas sendo gradativamente preenchidas ao longo dos séculos, em novos cenários, também como guerreiras da paz, principalmente para preservar o futuro da humanidade.(Mirna Monteiro)