Tuesday, January 16, 2007

Literatura















( ...)A Jorge não importava quem eram aqueles homens. Via um velho ser covardemente espancado e uma criança ser maltratada. Isso bastava.
Sem hesitar, sentindo a tragédia no ar como uma corrente elétrica, saltou sobre o grupo, puxando o homem ensangüentado pelo braço.
- Heidnisch! Unverschämt! – berrava, enquanto distribuía sopapos a esmo.
Jorge era ainda suficientemente jovem e forte para enfrentar uma situação de violência. Mas antes que pudesse avaliar as suas chances, enquanto distribuía socos e pontapés, sentiu um objeto duro bater em sua cabeça, com tanta força que teve a impressão de seu cérebro tremia, ressoando como um sino.
Ao mesmo tempo, em uma fração de segundo, ouviu uma voz conhecida gritar para que parassem.
Quando recobrou os sentidos, ouviu vozes e lembrou-se daquele grito. Pela primeira vez na vida sentiu realmente medo de enfrentar o que viria.
Percebeu que ainda estava deitado na neve. Haviam colocado alguma coisa sob sua cabeça, para mantê-la levantada.
Havia vários rapazes em torno dele. Alguém o segurava e Jorge não queria saber quem era. Mas seus olhos moveram-se como se não tivessem controle e fixaram os do filho caçula, Reinhard.
O instante de silêncio que se seguiu pareceu a Jorge longo demais. Reinhard, com os olhos de um azul mais frio do que o ar daquela noite, ajudou-o a levantar-se.
- Vá embora, pai! – disse, antes de virar-se e juntar-se ao grupo, que saia do lugar.
Jorge olhou em torno. Não havia sinal do homem espancado e da criança. Observou o filho, que seguia atrás dos outros rapazes.
Mas Reinhard não olhou para trás.
Sem saber o que fazer, Jorge retornou para a ponte, pensando se não deveria, afinal, debruçar-se sobre o parapeito e deixar-se escorregar para a água gelada e escura do Danúbio.
A cabeça latejava, dolorida e ele sentia o sangue quente escorrendo no couro cabeludo e endurecendo nos fios de cabelo congelados pela neve.
Escorregar para aquele rio!
Seria rápido! Um primeiro choque e depois o amortecimento. Não sentiria mais dor, não sentiria sequer o frio! Provavelmente iria desfalecer, vencido por um sono irresistível!
Lembrou-se da velha Tereza, de olhos assustados, comentando sobre alguém que havia perdido a alma ao atropelar a vida e provocar a própria morte. Sacrilégio abominável...quase podia ouvir a voz morna de Tereza. Quantos anos ele tinha então? Era tão pequeno! E tão feliz!
Perderia a alma!
Jamais se reencontraria com as pessoas que tanto amava.
Como Emma!
Imaginou se estaria sendo ridículo por considerar a crença de uma pessoa simples como Tereza. Deveria ser cético, duro e frio, para manter o controle e a sanidade.
Exatamente como as pessoas que tanto desprezava na vida...
Afastou-se da murada e retornou, encontrando o boné de lã caido próximo a calçada. Mesmo úmido, ele lhe deu conforto e a cabeça parou momentaneamente de latejar.
Não sentia cansaço, nem frio.
Andou até amanhecer, quando resolveu pegar um trem a esmo, sem se preocupar com seu destino. (...) (trecho do livro "O Círculo"-MM)

Sunday, January 07, 2007

Estamos perdendo o rumo?


Volta e meia encontramos alguém que desabafa, aflito: “estão todos loucos!  As pessoas estão perdendo a lucidez”

Por que? Os motivos são vários – irritação excessiva, ausência de auto-controle, falta de afetividade e tendência à destruição. Dentro da própria família os sintomas são cada vez mais óbvios – desagregação, egocentrismo, disputa interna, clima inamistoso.
Mas o que mais se ouve e impressiona é a afirmação de que as pessoas estão perdendo a capacidade crítica e qualquer freio moral.
A ausência de capacidade crítica torna a pessoa extremamente vulnerável ao erro e engano. A falta de “freios morais” a torna potencialmente perigosa, sujeita a achar natural a invasão da privacidade alheia ou apropriação de bens que não lhe pertencem ou ainda a atos violentos.

Seria um sintoma de loucura? Ou de histeria coletiva, um fator que desagrega a sociedade da racionalidade que permite uma convivência produtiva e pacífica?
Perguntas e perguntas. Que parece haver uma gradativa perda de identidade e um processo de histeria coletiva - onde se age pela emoção, sem um racicínio independente e lógica individual - isso parece! Há quem afirme que a sociedade moderna  está cada vez mais integrada por pessoas que confundem a realidade com a ilusão criada pela ficção ou pela mídia, farta em mensagens subliminares

Somos seres racionais e a nossa vontade é racional. Assim nos percebemos lúcidos e com capacidade de definir a realidade. Qualquer pensamento ou emoção que extrapolem determinados limites podem ser interpretados como uma ficção ou uma ilusão sob controle.

Mas é preciso considerar a capacidade humana de reintegrar-se em seu isolamento mental. No momento em que divagamos dentro de nós mesmos, a concepção do certo, errado ou do que é real pode mudar. Podemos permitir que haja maior abertura para a irracionalidade, a fantasia e a ilusão. Ou permitir uma reestruturação do pensamento diante de uma nova realidade, que permitirá maior segurança de sobrevivência.

Assim como todos nos sentimos seguros quando percebemos a realidade fora de nós, onde podemos ter a percepção sobre ela e diferenciar realidade de ilusão, também a incapacidade de lidar com as duas realidades pode ser perigosa.
Tornar-se excessivamente pragmático portanto é colocar em risco a própria sanidade, uma vez que a pessoa que vive exclusivamente para uma realidade imediata e material – aquela que considera única – é facilmente dominada pelas regras desse mundo imediato.
Ficará, por exemplo, mais sujeita às pressões de uma sociedade imediatista e superfial e mais sensível ao processo de histeria que se instala coletivamente.

O estudo da psicanálise demonstra a importância de nosso inconsciente. Considerando a Filosofia, esse mundo interior se torna muito mais amplo e capacitado para conduzir-se e não consistir simplesmente em um reflexo do mundo exterior.

Deveríamos conscientizar a importância de nosso mundo mental, ou de nossa alma. No entanto, estamos sempre na dúvida sobre quais das sensações – a liberdade do pensamento livre e da imaginação solta em nosso mundo interior, onde as percepções são tão ilimitadas, e a percepção da realidade externa, comunitária, que divide-se no mundo material, devem ser priorizadas em determinado momento.

Quando estamos sonhando, vivemos uma realidade ou uma ilusão? Para os mais pragmáticos, essa é uma pergunta absurda. Ora, o excesso de racionalidade leva à falta de criatividade e crescimento mental e portanto limita a capacidade de compreensão de um mundo lúdico ou mental.
Se nosso mundo interior, formado de sonhos, pensamentos e imagens, é perfeitamente estabelecido e desperta sensações, inclusive físicas, apesar da imaterialidade do mundo interior, por que não seria também uma realidade, em outro nível de percepção?

O que se pretende portanto é o equilíbrio entre a realidade imediata e as natural criatividade humana(MC)